terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Fecha o pano

Ele fechou a porta do teatro, apagou a luzes, ouviu uma frase de lamento. Era uma despedida, um nó de morte. Havia uma lacuna, um silêncio... interrompido por palmas que vinham de um outro auditório. Pegou aquele aplauso emprestado para o espetáculo abortado que escorria pelas pernas como um sangue-placenta. Foi melhor seguir assim... sob o som festivo e alheio... Fecha o pano...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Dia histórico

Nunca mais sigilo oferecerá guarida ao desrespeito', afirma Dilma

Presidente sancionou nesta sexta a lei que cria Comissão da Verdade.
Ela também assinou lei que acaba com sigilo eterno de documentos oficiais.

Priscilla Mendes Do G1, em Brasília

A presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou nesta sexta-feira (18) a lei que cria a Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à Informação.

A Comissão da Verdade irá apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988 - período que inclui a ditadura militar - e terá dois anos para produzir um relatório com conclusões e recomendações sobre os crimes cometidos.

A Lei de Acesso à Informação acaba com o sigilo eterno de documentos públicos e estabelece prazo máximo de 50 anos para que as informações classificadas pelo governo como ultrassecretas sejam mantidas em segredo.

A presidente Dilma discursa em cerimônia de sanção da lei da Comissão da Verdade (Foto: Roberto Stuckert / Presidência)Dilma e ministros na cerimônia de sanção da lei da Comissão da Verdade (Foto: Roberto Stuckert /PR)

A presidente – presa e torturada pela ditadura – disse ser “um grande orgulho sancionar essas duas leis” e que “o silêncio e o esquecimento são sempre uma grande ameaça”.

“Nenhum ato ou documento contra os direitos humanos pode ser colocado sob sigilo de espécie alguma. O sigilo não oferecerá nunca mais guarida ao desrespeito, aos direitos humanos no Brasil", afirmou.

A presidente classificou como “fundamental" o conhecimento do passado pela população, "principalmente o passado recente, quando muitas pessoas foram presas, torturadas e mortas”.

Dilma foi aplaudida diversas vezes durante a cerimônia, que contou com a presença dos quatro comandantes das Forças Armadas, além de ministros e parlamentares. A presidente falou em “subordinação do Estado aos direitos humanos”.

“Acredito que [...] a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação e da lei que cria e instala a Comissão da Verdade são momentos especiais que ficarão para sempre marcados na histórica do Brasil e colocam nosso país num patamar superior, de subordinação do estado aos direitos humanos”.

Ela disse ainda que a sanção “corresponde plenamente ao nosso compromisso com a transparência de todos os órgãos públicos, garante o acesso a historia do país e reforma o exercício cotidiano na fiscalização do Estado”.

Membros da comissão
Dilma não anunciou nesta sexta os sete membros da comissão. O texto prevê que os integrantes deverão ser "de nacionalidade brasileira, designados pelo Presidente da República, com base em critérios como o da pluralidade, reconhecimento de idoneidade e de conduta ética e por defesa da democracia, da institucionalidade constitucional e dos direitos humanos".

Durante o trabalho, o grupo poderá requisitar informações a órgãos públicos, inclusive sigilosas, convocar testemunhas, realizar audiências públicas e solicitar perícias.

O texto do projeto incorporou mudança incluída na Câmara sob pressão da oposição. Na época, uma emenda apresentada pelo DEM e aprovada pelos deputados vetou a indicação de "quem exerce cargo no Executivo e em partido, quem não tenha condições de atuar com imparcialidade e quem esteja no exercício de cargo em comissão ou função de confiança".

A comissão contará com 14 funcionários, além do suporte técnico, administrativo e financeiro da Casa Civil. A comissão terá ainda de enviar aos órgãos públicos competentes informações que ajudem na localização e identificação de restos mortais de pessoas desaparecidas por perseguição política.

Lei de Acesso à Informação
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que, com a Lei de Acesso à Informação, “a informação será colocada com extrema publicidade e com restrições pequeníssimas” e ressaltou que o tema foi tratado no Congresso Nacional não como uma questão partidária, mas sim de Estado.

Para o ministro, “não é com abuso de poder, castração de pensamento e supressão de pensamento que se controla a paz de um povo e seu desenvolvimento”.

Cardozo afirmou que, “com a verdade, sabemos onde e quando erramos e o que deve ser feito para que os maus exemplos não se repitam”.

“Não há restrições que se admitam. Há sempre luz do sol, há sempre conhecimento para que efetivamente a sociedade brasileira possa ter consciência de absolutamente tudo no que diz respeito a esses direitos fundamentais”, disse.

A proposta que acaba com o sigilo eterno - enviada ao Congresso pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009 - padroniza o acesso a informações públicas no país, obrigando governos federal, estaduais e municipais a atender demandas por dados e documentos assim que requisitados. Documentos relativos a violação dos direitos humanos, inclusive aqueles produzidos durante o regime militar (1964-1988), não poderão ficar sob sigilo.

O texto prevê ainda a criação de uma comissão com membros do Executivo, Legislativo e Judiciário, responsável pela classificação dos documentos em três tipos: reservado (mantidos em segredo por 5 anos), secreto (15 anos) e ultrassecreto (25 anos).

Atualmente, o documento ultrassecreto fica guardado por 30 anos, mas esse prazo pode ser prorrogado sucessivamente. Com a nova lei, os o prazo de 25 anos poderá ser prorrogado apenas uma vez. A contagem do prazo começa a partir da produção do documento.


Atraso brasileiro

Economist' analisa 'atraso' brasileiro em lidar com os crimes da ditadura

Revista compara situação no Brasil com a de países vizinhos e diz que, enquanto o passado recente não for examinado, a 'repressão vai continuar'.

Da BBC

18 comentários

Em sua edição desta semana, a revista britânica 'Economist' trata da polêmica da Comissão Nacional da Verdade e analisa como o Brasil está atrasado em relação soa vizinhos para lidar com o legado da ditadura.

A revista lembra que o projeto da comissão, que pretende esclarecer violações dos direitos humanos ocorridas de 1946 a 1985, já foi aprovado no Senado e deve ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff nesta sexta (18).

E afirma que apesar de os três últimos presidentes do país terem sofrido nas mãos dos militares - Dilma foi torturada; Lula, preso e Fernando Henrique, obrigado a se exilar -, só agora o assunto está sendo tratado de maneira mais aprofundada.

Diante disso, a publicação compara a situação do Brasil com seus vizinhos que mais sofreram com os chamados anos de chumbo.

'O Brasil tem sido lento na revisão dos crimes da ditadura. A Argentina começou a processar os militares logo após o colapso do regime, em 1983', diz a reportagem.

'A Suprema Corte do Chile decidiu em 2004 que os 'desaparecimentos' não eram passíveis de anistia.'

'Amnésia coletiva'
Na avaliação dos especialistas ouvidos pela 'Economist', essa demora no Brasil se deve ao fato de a transição para a democracia ter sido mais lenta e controlada no país.

'O regime não entrou em colapso após uma guerra desastrosa como aconteceu na Argentina ou enfrenta ameaça de protestos, como Augusto Pinochet no Chile.'

Outra razão citada é uma tendência dos brasileiros em sofrer de uma espécie de 'amnésia coletiva'. Segundo Maurício Santoro, da Fundação Getúlio Vargas, aponta na revista para o contraste entre o Brasil, 'o país do futuro', e a Argentina, que 'têm uma obsessão pela era de ouro em que viveram no passado'.

Segundo a 'Economist', uma das consequências desse atraso 'é que a repressão continua, só que agora a violência se concentra mais na polícia, e não no Exército'.

A revista destaca que a truculência da polícia é raramente punida e frequentemente aplaudida, como acontece nos filmes 'Tropa de Elite', e que ativistas esperam que a Comissão da Verdade altere essas opiniões.

'Algumas coisas só acontecem quando e se a sociedade está pronta', diz um dos entrevistados da matéria, Atila Roque, diretor da ONG Anistia Internacional no Brasil. 'Acho que estamos prontos'.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Trincheira no Mitos do Teatro Brasileiro


Foto: Ronaldo de Oliveira

Teatro Subversão de palco e plateia

Foto de Ronaldo Oliveira
Foto Ronaldo Oliveira
Mariana Moreira
Acostumados a serem receptores da ação teatral, os espectadores do projeto Mitos do Teatro Brasileiro, que homenageou o diretor e dramaturgo Augusto Boal nesta terça-feira, viveram uma experiência diferente. Durante alguns instantes, foram deslocados para a posição de atores, ou espect-atores, para usar expressão cunhada pelo próprio homenageado. Antes dos depoimentos da noite, feitos por Amir Haddad, Aderbal Freire Filho e pela viúva do teatrólogo, Cecília Boal, os comandantes da parte cênica da homenagem, os atores J. Abreu e Sílvia Paes, apresentaram um impasse, baseado no Teatro do Oprimido, criado por Boal.
Diante do impasse, uma mulher que quer ensaiar um espetáculo mas é reprimida pelo marido, a plateia foi convidada a debater soluções possíveis, além de subir ao palco e encenar sua sugestão. O exercício rendeu cinco alternativas apresentadas pelo público.
Antes de relembrar o amigo, o diretor e professor de teatro Amir Haddad, pediu que as luzes do Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), fossem acesas. “Não combina com o Boal deixar a plateia mergulhada no escuro e o palco superavalorizado”, explicou.
Em seu tributo, Haddad ressaltou a grande contribuição dada pelo amigo ao teatro. “O teatro não depende do mistério. Essa desilusão faz parte da desmistificação. Todo mundo pode fazer teatro. Ele é uma atividade pública feita por particulares”, defendeu. Seu depoimento, de forte teor político, atribuiu a Boal um esforço para liberar o teatro de uma opressão ideológica imposta pela sociedade burguesa capitalista.
Após assistir à cena que evoca os tempos em que o homenageado dirigiu o show Opinião, Aderbal Freire-Filho fez questão de incluir Boal no panteão de mestres universais da cena. “O Teatro do Oprimido é, merecidamente, seu legado mais conhecido. Mas ele era um mestre e mestres não podem ser contidos em uma criação. O autor Boal eram muitos. O diretor, também”, exemplificou Freire-Filho, que citou a criação do artista-cidadão como uma das principais contribuições do diretor.
O desfecho ficou por conta da mulher do artista, Cecília Boal, que revelou sua preocupação com uma abordagem menos política e mais superficial do legado do marido. “Essa quebra dos limites entre o palco e a plateia é um convite à transgressão, mas precisa seguir regras. É importante que seja uma assembleia onde se pensa junto, e de onde se pode sair com uma possibilidade de ação concreta”, reforçou ela. “ Augusto Boal é como Raul Seixas: vai ficando cada vez melhor”, concluiu Amir Haddad.
Tributos -- O projeto, que revisita as trajetórias de grandes nomes das artes cênicas nacionais, já homenageou Dulcina de Moraes, Dercy Gonçalves, Procópio Ferreira, Nelson Rodrigues, Cacilda Becker, Chico Anysio, Maria Clara Machado, Plínio Marcos, Lélia Abramo e Paulo Autran. A temporada se encerra em 22 de novembro, com um tributo à atriz Dina Sfat.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Hoje, Trincheira saúda o mestre Boal

Mitos do Teatro Brasileiro homenageia o mestre da dramaturgia Augusto Boal

Mariana Moreira

Publicação: 18/10/2011 08:15 Atualização:

Augusto Boal deixou 22 livros escritos, traduzidos para mais de 20 idiomas (Zuleika de Souza/CB/D.A Press )
Augusto Boal deixou 22 livros escritos, traduzidos para mais de 20 idiomas

Existem lugares no mundo em que as pessoas conhecem ele e não conhecem Pelé.” A frase é do diretor e professor teatral Amir Haddad, sobre o amigo Augusto Boal, diretor, dramaturgo e ensaísta que influenciou profundamente a cultura brasileira e criou novos limites para o jogo dramático. O próprio Haddad já comprovou esse prestígio. Durante uma viagem à Alemanha, entrou em uma livraria e pediu obras sobre teatro. O vendedor, então, disse que mostraria a ele algo especial, e o levou a uma estante de livros escritos por Boal. O legado do criador do Teatro do Oprimido será foco de mais uma edição do projeto Mitos do Teatro Brasileiro, em cartaz hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), a partir das 20h.

O método criado por Boal, hoje presente em mais de 77 países, nos cinco continentes, casava teatro com pedagogia, tendo a transformação social como alicerce. A ideia era usar a ação dramática para formar lideranças nas centros urbanos, subúrbios e comunidades rurais. “É o teatro no sentido mais arcaico do termo.

Todos os seres humanos são atores — porque atuam — e espectadores — porque observam. Somos todos espect-atores”, escreveu o próprio Boal. Utilizado por não atores, serviria como instrumento de reflexão política. Seu conjunto de exercícios e jogos cênicos resultou em um novo método de preparação de atores, que teve impacto mundial.

Cecília Boal: luta para preservar o acervo do marido no Brasil (Institutoaugustoboal.wordpress.com)
Cecília Boal: luta para preservar o acervo do marido no Brasil

Amir Haddad, por sinal, é um dos convidados a participar da noite, com formato de teatro-documentário, e dar um depoimento sobre o diretor. “Ele era uma voz atuante, um emblema de resistência, de possibilidade de construção de um outro mundo. Não esse mundo de corrupção, discriminação racial, segregação, saneamento étnico, violência e injustiça”, defende. Em 1992, Boal candidatou-se ao cargo de vereador, pelo Rio de Janeiro, e Haddad era confundido com ele nas ruas. Ao sair da cabine de voto, ouviu de um eleitor: “Votei em você”. “Eu tinha orgulho em ser confundido com alguém que abriu caminhos importantes e corajosos para a população brasileira. Caminhos que vão além do discurso ideológico, são atitudes humanistas”, afirma.

A atuação de Boal não se resume a elevar o teatro ao posto de ferramenta social e política. Antes do Teatro do Oprimido, que ganhou formatação nos anos 1970, durante o exílio que o levou a viver entre a Argentina e a França, ele já acumulava longa experiência nos palcos. Integrou o Teatro de Arena, uma das maiores companhias brasileiras, e dirigiu espetáculos históricos. Durante a ditadura militar, realizou o famoso show Opinião, com Zé Keti, João do Vale e Nara Leão, que depois seria substituída pela estreante Maria Bethânia. Deixou 22 livros escritos, traduzidos para mais de 20 idiomas. Em 2008, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, e no ano seguinte foi nomeado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) embaixador mundial do teatro.

Como Brecht
Quando Boal faleceu, vítima de uma leucemia, em 2009, o diretor Aderbal Freire-Filho declarou: “Ele é um dos deuses do arquipélago do teatro, um dos mitos da nossa religião”. Também convidado a falar sobre o amigo na homenagem, Freire-Filho defende que Boal, ao lado de mestres como Constantin Stanislavksi e Bertolt Brech, marcou o século 20. “O que esses mestres têm de maior é propor um avanço, fazer com que o teatro vá mais longe na relação com a sociedade”, defende. Outra contribuição marcante, aponta Freire-Filho, é a criação dos seminários de dramaturgia, que revelaram textos clássicos de Oduvaldo Vianna Filho e Gianfranceso Guarnieri.

Amir Haddad: saudades do colega e criador do Teatro do Oprimido (Jose Varella/CB/D.A Press )
Amir Haddad: saudades do colega e criador do Teatro do Oprimido

O tributo contará ainda com os atores J. Abreu, codiretor do evento, a atriz Sílvia Paes e atores da Cia. Trincheira de Teatro, em cenas inéditas criadas pelo dramaturgo Sérgio Maggio. A primeira delas evoca o Teatro Fórum, uma das bases do sistema desenvolvido por Boal.

Nele, a barreira entre plateia e palco é destruída e os espectadores dialogam livremente com os atores. Uma cena em que há conflito e opressão será apresentada, e o público poderá assumir o papel de protagonista, apresentando soluções possíveis. Na segunda encenação, será revivida uma história real, dos bastidores do show Opinião. Além de atriz do Teatro do Concreto, Sílvia é multiplicadora das técnicas de Boal no Centro-Oeste. “O Teatro do Oprimido não é utopia. Ele não transforma o mundo inteiro, mas transforma sua própria vida. Eu mudei, como mulher e cidadã”, afirma.

Mitos do Teatro Brasileiro — Augusto Boal

Hoje, às 20h, no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Trecho 2, Lote 22 - 3108-7600). Participação de Aderbal Freire-Filho e Amir Haddad. Com J. Abreu e Sílvia Paes. Entrada franca, mediante retirada de senhas, distribuídas com meia hora de antecedência. Não recomendado para menores de 12 anos.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Trincheira homenageia Boal no CCBB

O lavrador de mares



O CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL E O PROJETO MITOS DO TEATRO BRASILEIRO — ANO II CELEBRAM A VIDA E A OBRA DE AUGUSTO BOAL, O CRIADOR DO TEATRO DO OPRIMIDO

Durante mais de 50 anos dedicados ao teatro, uma pergunta persistente seguia Augusto Boal em inúmeras entrevistas. “Como o senhor se define? Um dramaturgo, um diretor, um homem de esquerda, um teatrólogo? Múltiplo e sem caber em rótulos, ele, um dia, teve uma inspiração. Lembrou-se que Simón Bolivar, o revolucionário que libertou a América Espanhola do colonialismo: “Ele se dizia ser um lavrador do mar -- lavra-se uma onda, mas tem sempre outra se aproximando. É assim que me sinto. Um lavrador do mar”, concluiu Augusto Boal, um dos maiores nome do teatro do Brasil e do mundo. A memória dele será celebrada no dia 18 de outubro (terça-feira), às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), com entrada franca. As senhas para o encontro devem ser retiradas meia hora antes do evento).

Engenheiro químico formado, Augusto Boal não conseguiu dizer “não” ao chamado dos palcos. Amigo do dramaturgo Nelson Rodrigues e do crítico Sábato Magaldi na juventude, ele viajou para os Estados Unidos e, lá, fez um curso de dramaturgia na Colombia University, onde aprofundaria suas convicções teatrais. Viu Marlon Brando e James Dean aprendendo Stanislavski no Actor´s Studio e, quando voltou ao Brasil, ao fim da década de 1950, foi irradiar o que sabia aos seus pares no recém-criado Teatro de Arena, espaço no qual ajudou a alinhá-lo à ideia de nacionalizar o teatro brasileiro. A partir daí, construiu uma carreira de resistência, que culminou com o show Opinião e na série de espetáculos Arena conta... Todos incomodando profundamente a ditadura militar, que o perseguiu e o exilou como um inimigo público. No exterior, aprofundou o sistema do Teatro Oprimido, que já tinha sido iniciado com o Teatro Jornal e o Teatro Invisível, ambos com forte teor político. Hoje, o método é conhecido no mundo e espalha-se por mais de 50 países nos cinco continentes.

Para celebrar a arte de Augusto Boal, os atores J. Abreu e Silvia Paes, que é multiplicadora do Teatro Oprimido no Centro-Oeste, trazem a memória viva de Boal em cenas inéditas, criadas pelo diretor-dramaturgo Sérgio Maggio, enquanto os diretores Amir Haddad e Aderbal Freire-Filho testemunham fatos relevantes vividos ao lado do homem de teatro que foi indicado ao Nobel da Paz. “Quero falar muito da generosidade de Boal. Dessa capacidade de doar conhecimentos”, adianta Aderbal Freire-Filho. “Há tanto a contar sobre essa maravilha que é Boal que vou estourar o tempo”, brinca Amir Haddad. Nessa edição, ainda participa da homenagem o coletivo brasiliense Trincheira Cia. de Teatro, que, há dois anos, pesquisa a vida e a trajetória de Honestino Guimarães, líder estudantil da UnB que desapareceu durante a ditadura militar.

Após celebrar, com êxito de público e crítica, as trajetórias de Dulcina de Moraes, Dercy Gonçalves, Procópio Ferreira, Nelson Rodrigues, Cacilda Becker, Chico Anysio, Maria Clara Machado, Plínio Marcos, Lélia Abramo e Paulo Autran, Mitos do Teatro Brasileiro segue saudando a memória de Dina Sfat (22 de novembro, com Juca de Oliveira e Thelma Reston). “A delícia de se falar sobre esses homens e mulheres, que doaram a vida ao palco, faz desse projeto uma potente declaração de amor ao teatro brasileiro”, observa Maggio.

Num formato de teatro-documentário, no qual se constrói ao vivo a biografia cênica do homenageado, a partir da junção de esquetes, depoimentos e vídeos, o projeto Mitos do Teatro Brasileiro contribui para consolidar a memória das artes cênicas. “Todos nós, público e plateia, saímos transformados a cada homenagem do projeto Mitos do Teatro Brasileiro”, conta o ator J. Abreu.

  • Acompanhe a pesquisa do projeto no blog www.mitosdoteatrobrasileiro.blogspot.com e siga-o no Twitter @mitosdoteatro

SERVIÇO:

Projeto: Mitos do Teatro Brasileiro Ano II – Augusto Boal

Direção, texto e concepção cênica: Sérgio Maggio e J. Abreu.

Com: J. Abreu, Silvia Paes e o coletivo Trincheira Cia. de Teatro

Horário: Dia 18 de outubro, terça-feira, às 20h

Duração: 100 minutos

Classificação indicativa: 12 anos

Local: Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (CCBB) – SCES, Trecho 2, Lote 22, Brasília

Telefone: (61) 3108-7600

Ingressos: Entrada franca. Senhas serão distribuídas na bilheteria com meia hora antecedência.

O CCBB disponibiliza ônibus gratuito, identificado com a marca do Centro Cultural. O transporte funciona de terça a domingo, saindo do Teatro Nacional a partir das 11h.

Trajeto e Horários

Teatro Nacional: 11h, 12h25, 13h50, 15h15, 16h40, 18h05, 19h30, 20h55, 22h

SHN – Manhattan: 11h05, 12h30, 13h55, 15h20, 16h45, 18h10, 19h35, 21h, 22h05

SHS – Hotel Nacional: 11h10, 12h35, 14h, 15h25, 16h50, 18h15, 19h40, 21h05, 22h10

SBS – Galeria dos Estados: 11h15, 12h40, 14h05, 15h30, 16h55, 18h20, 19h45, 21h10, 22h15

Biblioteca Nacional: 11h20, 12h45, 14h10, 15h35, 17h, 18h25, 19h50, 21h15, 22h20

UNB – Inst. Artes: 11h30, 12h55, 14h20, 15h45, 17h10, 18h35, 20h, 21h25, 22h30

UNB – Biblioteca: 11h35, 13h, 14h25, 15h50, 17h15, 18h40, 20h05, 21h30, 22h35

CCBB: 12h10, 13h35, 15h, 16h25, 17h50, 19h15, 20h40, 21h45, 22h45

Assessoria de Comunicação

Âncora Comunicação

Carla Spegiorin

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camila@ancoracom.com.br

Telefone: (61) 8489-8167

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A história do jornal Movimento

Livro conta a história de jornal que desafiou a ditadura militar

Sérgio Maggio

A página sobre Vlado, com desenho de Elifas Andreato, e a capa da última edição de Movimento: todo o acervo disposto em DVD (Editora Manifesto/Reprodução)
A página sobre Vlado, com desenho de Elifas Andreato, e a capa da última edição de Movimento: todo o acervo disposto em DVD
Coube a Aguinaldo Silva contar, a um país amordaçado pela ditadura, o dilema dos brasileiros cariocas e suburbanos que acordavam às 4h da madrugada para tentar chegar à Central do Brasil, espremidos como bagagens em vagões destroçados pela falta de manutenção e, é bom dizer, de violação à cidadania. De tempos em tempos, quando algum ser humano despencava e se estatelava no meio dos trilhos, os passageiros eram obrigados a desocupar os vagões e pagar outra passagem. Aí, eclodia um quebra-quebra, quase uma revolta popular. Isso num período em que a população brasileira era tratada como uma “carneirada” pelo poderio militar, que se mantinha no comando da nação havia 11 anos, armado até os fios do cabelo.

A história publicada em 7 de julho de 1975 foi estampada na capa do jornal Movimento. Chegou às bancas esquartejada pela censura prévia, mas estava ali diante de 21 mil leitores que a levaram para casa e a consumiram como se estivessem diante de um oásis. Afinal, aquele Brasil era um país fantasioso, que “crescia” sob a falácia de milagre econômico e estava prestes a entrar num colapso financeiro.

— Quem leu Movimento nº 1 não pôde imaginar o tamanho da batalha que foi travada para aquela edição chegar às suas mãos. Na semana do lançamento, os editores e a equipe se revezaram entre a redação, a sede da Polícia Federal e as oficinas. O esforço para suprir os buracos da tesoura não foi pequeno. Os censores vetaram nada menos que quatro propostas de capas do jornal, além de 18 matérias inteiras, oito fotografias, 10 ilustrações e 12 charges, conta Carlos Azevedo, no livro Jornal Movimento, uma reportagem (Manifesto Editora).

 (Editora Manifesto/Reprodução)
Com o precioso livro de resgate da história do semanário Movimento (1975 — 1981), que tem reportagem de Marina Amaral e Natalia Viana, há um tesouro anexo: um DVD com todas as 334 edições do periódico, incluindo as que foram totalmente proibidas. O projeto de financiamento é da Petrobras. Está lá, por exemplo, a histórica edição nº154, de 12 de junho de 1978, que anuncia o fim da censura prévia ao jornal. A capa sobre a morte de Vladimir Herzog, que tinha um lindo desenho de Elifas Andreato, era finalmente publicada, três anos depois de ser vetada.

— Movimento não podia dar uma só linha sobre a morte do jornalista Vladimir (Vlado) Herzog, da TV Cultura, no Doi-Codi, em 25 de outubro de 1975. E até o fim da censura, em junho de 1978, o jornal nunca pôde se referir a Vlado (…) Movimento não pôde publicar nada, mas os membros da equipe participaram ativamente das manifestações, convocando as pessoas a comparecerem ao sindicato dos jornalistas, de onde iriam se originar os protestos, destaca o autor.

Conselho de notáveis
Carlos Azevedo está no núcleo fundador de Movimento. O expediente do número inaugural mostra uma redação de sonhos. Raimundo Pereira era o editor-chefe e, no conselho editorial, conviviam os notáveis Chico Buarque de Holanda, Fernando Henrique Cardoso, Hermilo Borba Filho e Orlando Villa-Boas. Na criação de textos e arte, estavam Aguinaldo Silva, Elifas Andreato, Fernando Peixoto (cultura), Bernardo Kucinski. Jean Claude Bernardet escrevia sobre cinema e José Miguel Wisnik era um dos editores assistentes.

— O jornal foi utilizado como instrumento de debate pelo movimento estudantil, pelos intelectuais de oposição e movimentos populares, nos vários estados. Dessa mobilização, surgiriam as sucursais e uma rede de distribuição do jornal em todo o país. O núcleo central das atividades do jornal sempre foi São Paulo, destaca Carlos Azevedo.

Os movimentos sociais, que reacendiam a partir das mortes de Vlado e do operário Manoel Fiel Filho nos porões da ditadura, articulavam-se em torno de Movimento, numa rede de cooperação e apoio, como a oposição sindical metalúrgica e as Comunidades Eclesiais de Base.

— Eu via que o jornal estava se constituindo como um instrumento muito bom no interior do país (…) Tanto que se você olhar, quase todas as pessoas que fundaram o PT, os deputados, todo esse pessoal era gente do jornal Movimento, que ajudou a criar lideranças, não tenho dúvidas disso. E são centenas, destaca o repórter Murilo Carvalho.

Movimento acabou mergulhado numa grave crise financeira, de identidade política numa confusa época de transição e abatido por conta do terrorismo de direita que acometeu o país entre 1980 e 1981, com bancas de jornais sendo alvo de explosões e ameaças de atentados. A última edição está agora a alcance de todos e a história mostra que o fim foi realmente aparente. Movimento está na base da luta pela redemocratização do Brasil.


JORNAL MOVIMENTO, UMA REPORTAGEM
De Carlos Azevedo, com reportagem de Marina Amaral e Natalia Viana. Manifesto Editora. Patrocínio Petrobras, 336 páginas. Acompanha DVD com as 334 edições do jornal. Preço: R$ 59.

domingo, 3 de abril de 2011

Na pista de Honestino

O governo investiga as coincidências entre corpos enterrados em cemitério de Petrópolis e 17 vítimas de tortura sumidas durante a ditadura militar
Leandro Loyola
Ana Carolina Fernandes/ÉPOCA
BUSCAS
O cemitério de Petrópolis (acima) e escavações em Foz do Iguaçu (abaixo). Uma missão do governo levantou dados e fez buscas por corpos de desaparecidos
Ana Carolina Fernandes/ÉPOCA

Ivan Mota Dias, estudante de história, era conhecido como o Comandante Cabanos da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A VPR era um dos mais agressivos grupos da esquerda armada que combatiam as forças da ditadura militar (1964-1985). Em 15 de maio de 1971, Dias foi preso no Rio de Janeiro por agentes do Cisa, o serviço secreto da Aeronáutica. Sua família o procurou, em vão. Seu corpo nunca apareceu. Documentos oficiais não registram seu destino. A história de Ivan é semelhante à de outros desaparecidos e as dúvidas que cercam seu destino são compartilhadas por outras famílias. Agora, 40 anos depois, surgem pistas. Os corpos de Ivan e de outros 16 desaparecidos podem ter sido enterrados como indigentes, ou com nomes falsos, em covas rasas no cemitério de Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Sem alarde, no ano passado, a Secretaria de Direitos Humanos empreendeu durante oito meses a mais sistemática busca por restos mortais de desaparecidos políticos já feita no país. As buscas foram feitas em quatro Estados por uma equipe formada por funcionários da Secretaria, agentes da Polícia Federal, procuradores da República e um consultor externo. Um dos principais focos foi Petrópolis. Pelo menos entre 1970 e 1974, funcionou na cidade um cruel centro de tortura e assassinato mantido pelas Forças Armadas fora de suas instalações oficiais. A Casa da Morte – codinome Codão – ficava na Rua Arthur Barbosa, 668, no bairro Caxambu. Era um cárcere privado mantido pelo Centro de Informações do Exército (CIE). Para ele eram levados os presos que poderiam ser convertidos em agentes duplos. Mas a função primordial era torturar e matar sem deixar rastros. Isso incluiria a norma macabra de picotar os corpos.

>>Leia mais sobre a Casa da Morte

As informações levantadas pela missão, no entanto, podem mudar o pouco que se sabe sobre esse episódio sombrio. Ex-militante que foi torturado no DOI-Codi paulista e cumpriu pena na década de 1970, Ivan Seixas foi o consultor da equipe da Secretaria. Há mais de dez anos, ele recebeu uma informação sobre os mortos em Petrópolis. “Procure no cemitério atrás do Quitandinha. Lá você pode achar o pessoal da casa”, disse um intermediário. Quitandinha é um hotel desativado, um dos cartões-postais de Petrópolis. Atrás dele fica o bairro onde está o cemitério municipal.

No ano passado, a partir de uma lista de 30 militantes desaparecidos no Rio e em São Paulo que podem ter passado pela Casa da Morte, Ivan Seixas e a procuradora da República Vanessa Seguezzi vasculharam os livros dos sepultamentos realizados no cemitério de Petrópolis entre 1970 e 1974. Com base em atestados de óbito, verificaram grandes coincidências entre as datas de prisão de 17 militantes e as de enterro de corpos lá sepultados. As circunstâncias e as causas das mortes – fraturas de crânio, tiros, hemorragias, acidentes – também chamaram a atenção. No caso de Ivan Mota Dias, há coincidências com um desconhecido, de “20 e poucos anos”, que foi sepultado no cemitério de Petrópolis no dia 17 de maio de 1971 e cujo cadáver havia sido encontrado na Estrada União Indústria. Dias havia sido preso dois dias antes. O atestado de óbito, assinado pelo médico Alódio Imbroisi, diz que o desconhecido morreu de “hemorragia intracraniana, fratura do crânio, acidente” – causas que podem ser relacionadas à tortura. Sabe-se que Dias passou pela Casa da Morte graças à informação de Inês Etienne Romeu, a única presa a sair com vida daquele matadouro.

Em Petrópolis, funcionou um centro de
tortura mantido pelo serviço secreto do Exército

Inês ouviu seus torturadores dizer que Ivan seria executado. Ela foi militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), ao lado da presidente Dilma Rousseff. O pouco que sabe sobre a Casa da Morte é resultado de suas observações durante os 96 dias em que esteve presa lá, entre maio e agosto de 1971. Quebrada pelos suplícios, Inês tentou o suicídio duas vezes. Mesmo torturada continuamente, ela foi capaz de guardar nomes de presos, apelidos de torturadores e até o telefone da casa – que serviu para localizar o imóvel anos depois. Guardou um detalhe fundamental: em um dos quartos ficava uma cama de campanha com a inscrição “Centro de Informações do Exército”. Em 1979, Inês prestou um depoimento à OAB do Rio de Janeiro. Listou os nomes de 19 militares torturadores e um médico, depois identificado como o psicanalista Amílcar Lobo. Deu informações sobre nove presos torturados e mortos na casa.

Não se sabe quantos presos, no total, passaram pela casa enquanto ela funcionou. Dos nove presos vistos por Inês, ou dos quais ela soube, quatro podem ter sido enterrados no cemitério de Petrópolis, segundo o levantamento da Secretaria. Paulo de Tarso Celestino da Silva, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi preso com a namorada, Heleny Guariba, da VPR, no Rio de Janeiro, no dia 12 de julho de 1971. Segundo Inês, Paulo foi torturado por seis militares durante 48 horas. Foi obrigado a comer muito sal e suplicava por água. Segundo Inês, Heleny teria sido torturada por dois dias até com choques na vagina. O levantamento afirma que Paulo pode ter sido enterrado com o nome de Ari Barbosa, em 16 de julho de 1971, ou de Geraldo Deonídio Silva, em 24 de julho de 1971, ambos citados como indigente nos atestados de óbito. Heleny pode ter sido sepultada como Elvira da Silva Oliveira, no dia 24 de julho de 1971.

Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, militante da VPR, foi preso em 9 de maio de 1971. Inês Etienne afirmou que outro preso disse a ela que Aluízio teria chegado à Casa da Morte em “estado deplorável”. Aluízio pode ter sido enterrado no cemitério de Petrópolis com o nome de José Neves Filho. Aluízio tinha os mesmos 49 anos da certidão de óbito de Neves Filho. O enterro foi feito no dia 14 de maio, cinco dias após a prisão de Aluízio. No atestado de óbito, a causa da morte é “hemorragia cerebral e acidente vascular cerebral”.

Os corpos enterrados no cemitério podem
ter sido desenterrados e jogados em valas comuns

A Casa de Petrópolis existiu graças a uma parceria público-privada. Ela foi emprestada ao Exército pelo alemão Mário Lodders. Simpatizante da ditadura, Lodders morava ao lado da Casa da Morte e a frequentava. Ele via presos torturados, segundo contou Inês. Veterano do Partido Comunista Brasileiro (PCB), David Capistrano Costa pode ter sido um deles. Ele havia participado da Guerra Civil Espanhola e da Resistência Francesa à ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. No dia 16 de março de 1974, Costa foi preso com o companheiro de militância José Roman. Militares afirmam que Costa e Roman foram torturados na Casa da Morte. No dia 31 de março foram sepultados no cemitério de Petrópolis os corpos de João Pereira de Melo, Sebastião Luiz dos Santos e José Fernandes. Suspeita-se que João possa ser David Capistrano Costa porque tinham idade parecida. Roman poderia ser Sebastião ou José Fernandes.

Fundado há mais de 100 anos, o cemitério municipal São Pedro de Alcântara, onde podem ter sido enterrados os 17 desaparecidos, abriga mais de 6 mil sepulturas. Algumas estão incrustadas nas calçadas da avenida que corta o cemitério ao meio e nas encostas dos morros ao redor. São cerca de 66 mil corpos sepultados. De acordo com a administração do cemitério, os mortos enterrados em covas rasas na década de 1970, como é o caso dos levantados pela missão da Secretaria, podem ter sido desenterrados cinco anos depois e jogados em valas comuns.

Procurar mortos da ditadura é um trabalho difícil. Os documentos oficiais ajudam pouco. Os militares que sabem onde essas pessoas foram enterradas não colaboram. As chances de identificar os corpos são remotas. Por que, então, procurá-los? “O Estado tem a responsabilidade de fazer todos os esforços para localizar os restos mortais de pessoas que ele fez desaparecer”, afirma o procurador da República Marlon Weichert. A ação civil pública encaminhada por Weichert à Justiça levou às buscas de oito desaparecidos no cemitério de Vila Formosa, em São Paulo. “Esses corpos não foram localizados porque houve resistências dentro do Estado”, afirma a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário. “Mas é uma obrigação constitucional buscá-los. É uma forma de completar a transição democrática.” Nesta semana, uma reunião da Comissão de Mortos e Desaparecidos, em Brasília, vai discutir o que fazer sobre o caso de Petrópolis.

Uma busca mais difícil que a de Petrópolis foi feita no ano passado em Foz do Iguaçu, Paraná. O objetivo era localizar os corpos de cinco militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e um militante argentino. Refugiados na Argentina, em junho de 1971, Onofre Pinto, José Lavechia, os irmãos Daniel José e Joel José de Carvalho, Victor José Ramos, todos da VPR, e o argentino Ernesto Ruggia tentavam retomar a luta armada no Brasil. O grupo foi atraído pelo militante Alberi Vieira Soares – que, na verdade, era um agente duplo a serviço do Centro de Informações do Exército. Um ex-militar aceitou colaborar como informante da missão da Secretaria. Ele disse que, com exceção de Onofre, os quatro da VPR e Ruggia foram levados por Alberi e um colega a um suposto esconderijo pela antiga Estrada do Colono, na noite de 14 de julho de 1974. Eles caminhavam pela mata, quando caíram numa emboscada e foram metralhados. A armadilha teria sido executada pelo capitão Ênio Pimentel da Silveira, o doutor Nei do Centro de Informações do Exército, o capitão Paulo Malhães, chamado de Doutor Pablo, e os militares Laecato, Camarão e Presuntinho – os três últimos do CIE e funcionários da Casa da Morte de Petrópolis.

Os militares teriam ficado ainda cerca de meia hora no local, comendo e bebendo ao lado dos corpos. No dia seguinte, a mesma turma teria matado Onofre Pinto com uma injeção de Sheltox e jogado seu corpo em um rio. Durante 20 dias, uma equipe da Secretaria fez três expedições e escavações em vários locais dentro do Parque Nacional do Iguaçu para localizar os corpos. Até um helicóptero foi usado. No penúltimo dia, o ex-militar descreveu o local da emboscada e informou que as escavações não estavam sendo feitas no local exato. Ele deu indicações genéricas e novas buscas devem ser feitas neste ano.

Será muito difícil encontrar os mortos de Petrópolis ou de Foz do Iguaçu. Os algozes tiveram tempo suficiente para removê-los ou para alterar os locais. Há quase 40 anos, as famílias dos desaparecidos em Foz, São Paulo ou Petrópolis convivem com a dúvida de saber onde eles estão. A família de Mário Lodders, o homem que tornou possível a existência da Casa da Morte, tem mais sorte. De acordo com os registros do cemitério municipal de Petrópolis, Lodders morreu no dia 19 de fevereiro de 2008. Atenta às normas do cemitério, sua família pediu em fevereiro a exumação de seu cadáver. Os ossos estão guardados no ossário A-30, na quadra 04. Graças a esses cuidados, os restos de Lodders escaparam de se perder em uma vala comum. Se quiserem, seus familiares poderão homenageá-lo com flores para sempre.

Fotos: reprodução Fotos: reprodução Fotos: reprodução

segunda-feira, 28 de março de 2011

Honestino Guimarães, vive!

WHEN I’M SIXTY-FOUR


"Will you still feed me

Will you still need me

When I'm sixty-four" (Paul McCartney)

Em 28 de março de 1968, Edson Luís de Lima Souto morreu, no Rio de Janeiro, durante as manifestações pela manutenção do restaurante do Calabouço.

Honestino Monteriro Guimarães estava em casa, comemorando seu aniversário de 21 anos com a família e amigos, quando a televisão ligada na sala deu a notícia. Saiu correndo, antes que sua mãe tivesse tempo de servir o jantar e o bolo e foi para o Congresso Nacional. No dia seguinte, na UnB, presidiu uma assembléia lotada no auditório Dois Candangos e no fim convidou todos a saírem para inaugurar a praça Edson Luís de Lima Souto, no espaço em frente ao conjunto FE-1 e FE-3.

Teria concluído seu curso de geólogo naquele ano, em sete semestres, mas foi desligado da universidade pela participação no episódio da expulsão do falso professor Román Blanco. Uma nota à imprensa foi divulgada pelo Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília, presidido pelo reitor Caio Benjamin Dias, no dia 26 de setembro de 1968. A reitoria impôs aos estudantes uma vitória de Pirro: na mesma reunião do Conselho Diretor, Román Blanco foi excluído do quadro docente da UnB.

Em 13 de dezembro de 1968 o AI-5 extinguia a garantia do Habeas Corpus e centenas de jovens, como Honestino, caíram na clandestinidade, para evitar a prisão, a tortura e talvez a morte. Maria Rosa, sua mãe, nunca mais pôde mais fazer festas de aniversário para ele.

Em 10 de outubro de 1973 Honestino saiu de casa para cobrir um ponto e pediu à companheira, mais uma vez, que divulgasse o Mandado de Segurança Popular se ele não voltasse. Ele não voltou.

No dia vinte e oito de março de 2007 a Escola Honestino Monteiro Guimarães, em Itaberaí, organizou uma festa em comemoração dos sessenta anos do nascimento de seu patrono. Maria Rosa esteve presente, com o filho Norton e o neto Gabriel, autoridades da cidade, contemporâneos e amigos de Gui, parentes que ainda moram em Itaberaí, professores e alunos da escola.

A professora Rita de Cássia declamou um poema de Carlos Fernando Filgueiras. O senhor Tadeu, pai de um aluno da escola, cantou Para não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré. A voz suave e afinada, a interpretação despojada, emocionou os presentes, que acompanharam o cantor no estribilho. O presidente do grêmio da escola, Mateus Ório, disse que os alunos se sentiam honrados por pertencerem a uma escola que tem compromisso com valores e ética. Maria Rosa agradeceu a homenagem ao filho, recebeu flores, a agenda e a camisa da escola e inaugurou, com Gougon e Norton, o retrato de Honestino em mosaico, feito pelo artista.

As paredes estavam decoradas com os trabalhos em que os alunos da escola, orientados pelas professoras Nilda e Luciana, contaram a história de Gui: acrósticos, poemas, palavras cruzadas, desenhos, histórias em quadrinhos e textos em prosa, resultado da pesquisa coordenada pela professora de História, Ana Lúcia. Foi servido um lanche com especialidades da região e todos sorriam, em uma alegria entremeada de saudades, na festa do aniversário de sessenta anos de Gui, cujo olhar decidido, da foto gigante na parede atrás da mesa do cerimonial, espraiava-se pelo ambiente. Ninguém parecia melancólico ou triste. De fato, tristeza não combinaria com o rapaz alegre, afetuoso, namorador, torcedor fanático de futebol, que como tantos outros em sua época, gostava de escrever cartas e poemas, de estar com a família, os parentes, os amigos, a mulher amada.

Hoje, 28 de março de 2011, ele completaria sessenta e quatro anos.

E ainda é preciso alimentar sua memória e a de todos os que desapareceram na luta contra a ditadura que oprimiu o país.


Betty Almeida