sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Dia histórico

Nunca mais sigilo oferecerá guarida ao desrespeito', afirma Dilma

Presidente sancionou nesta sexta a lei que cria Comissão da Verdade.
Ela também assinou lei que acaba com sigilo eterno de documentos oficiais.

Priscilla Mendes Do G1, em Brasília

A presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou nesta sexta-feira (18) a lei que cria a Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à Informação.

A Comissão da Verdade irá apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988 - período que inclui a ditadura militar - e terá dois anos para produzir um relatório com conclusões e recomendações sobre os crimes cometidos.

A Lei de Acesso à Informação acaba com o sigilo eterno de documentos públicos e estabelece prazo máximo de 50 anos para que as informações classificadas pelo governo como ultrassecretas sejam mantidas em segredo.

A presidente Dilma discursa em cerimônia de sanção da lei da Comissão da Verdade (Foto: Roberto Stuckert / Presidência)Dilma e ministros na cerimônia de sanção da lei da Comissão da Verdade (Foto: Roberto Stuckert /PR)

A presidente – presa e torturada pela ditadura – disse ser “um grande orgulho sancionar essas duas leis” e que “o silêncio e o esquecimento são sempre uma grande ameaça”.

“Nenhum ato ou documento contra os direitos humanos pode ser colocado sob sigilo de espécie alguma. O sigilo não oferecerá nunca mais guarida ao desrespeito, aos direitos humanos no Brasil", afirmou.

A presidente classificou como “fundamental" o conhecimento do passado pela população, "principalmente o passado recente, quando muitas pessoas foram presas, torturadas e mortas”.

Dilma foi aplaudida diversas vezes durante a cerimônia, que contou com a presença dos quatro comandantes das Forças Armadas, além de ministros e parlamentares. A presidente falou em “subordinação do Estado aos direitos humanos”.

“Acredito que [...] a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação e da lei que cria e instala a Comissão da Verdade são momentos especiais que ficarão para sempre marcados na histórica do Brasil e colocam nosso país num patamar superior, de subordinação do estado aos direitos humanos”.

Ela disse ainda que a sanção “corresponde plenamente ao nosso compromisso com a transparência de todos os órgãos públicos, garante o acesso a historia do país e reforma o exercício cotidiano na fiscalização do Estado”.

Membros da comissão
Dilma não anunciou nesta sexta os sete membros da comissão. O texto prevê que os integrantes deverão ser "de nacionalidade brasileira, designados pelo Presidente da República, com base em critérios como o da pluralidade, reconhecimento de idoneidade e de conduta ética e por defesa da democracia, da institucionalidade constitucional e dos direitos humanos".

Durante o trabalho, o grupo poderá requisitar informações a órgãos públicos, inclusive sigilosas, convocar testemunhas, realizar audiências públicas e solicitar perícias.

O texto do projeto incorporou mudança incluída na Câmara sob pressão da oposição. Na época, uma emenda apresentada pelo DEM e aprovada pelos deputados vetou a indicação de "quem exerce cargo no Executivo e em partido, quem não tenha condições de atuar com imparcialidade e quem esteja no exercício de cargo em comissão ou função de confiança".

A comissão contará com 14 funcionários, além do suporte técnico, administrativo e financeiro da Casa Civil. A comissão terá ainda de enviar aos órgãos públicos competentes informações que ajudem na localização e identificação de restos mortais de pessoas desaparecidas por perseguição política.

Lei de Acesso à Informação
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que, com a Lei de Acesso à Informação, “a informação será colocada com extrema publicidade e com restrições pequeníssimas” e ressaltou que o tema foi tratado no Congresso Nacional não como uma questão partidária, mas sim de Estado.

Para o ministro, “não é com abuso de poder, castração de pensamento e supressão de pensamento que se controla a paz de um povo e seu desenvolvimento”.

Cardozo afirmou que, “com a verdade, sabemos onde e quando erramos e o que deve ser feito para que os maus exemplos não se repitam”.

“Não há restrições que se admitam. Há sempre luz do sol, há sempre conhecimento para que efetivamente a sociedade brasileira possa ter consciência de absolutamente tudo no que diz respeito a esses direitos fundamentais”, disse.

A proposta que acaba com o sigilo eterno - enviada ao Congresso pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009 - padroniza o acesso a informações públicas no país, obrigando governos federal, estaduais e municipais a atender demandas por dados e documentos assim que requisitados. Documentos relativos a violação dos direitos humanos, inclusive aqueles produzidos durante o regime militar (1964-1988), não poderão ficar sob sigilo.

O texto prevê ainda a criação de uma comissão com membros do Executivo, Legislativo e Judiciário, responsável pela classificação dos documentos em três tipos: reservado (mantidos em segredo por 5 anos), secreto (15 anos) e ultrassecreto (25 anos).

Atualmente, o documento ultrassecreto fica guardado por 30 anos, mas esse prazo pode ser prorrogado sucessivamente. Com a nova lei, os o prazo de 25 anos poderá ser prorrogado apenas uma vez. A contagem do prazo começa a partir da produção do documento.


Atraso brasileiro

Economist' analisa 'atraso' brasileiro em lidar com os crimes da ditadura

Revista compara situação no Brasil com a de países vizinhos e diz que, enquanto o passado recente não for examinado, a 'repressão vai continuar'.

Da BBC

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Em sua edição desta semana, a revista britânica 'Economist' trata da polêmica da Comissão Nacional da Verdade e analisa como o Brasil está atrasado em relação soa vizinhos para lidar com o legado da ditadura.

A revista lembra que o projeto da comissão, que pretende esclarecer violações dos direitos humanos ocorridas de 1946 a 1985, já foi aprovado no Senado e deve ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff nesta sexta (18).

E afirma que apesar de os três últimos presidentes do país terem sofrido nas mãos dos militares - Dilma foi torturada; Lula, preso e Fernando Henrique, obrigado a se exilar -, só agora o assunto está sendo tratado de maneira mais aprofundada.

Diante disso, a publicação compara a situação do Brasil com seus vizinhos que mais sofreram com os chamados anos de chumbo.

'O Brasil tem sido lento na revisão dos crimes da ditadura. A Argentina começou a processar os militares logo após o colapso do regime, em 1983', diz a reportagem.

'A Suprema Corte do Chile decidiu em 2004 que os 'desaparecimentos' não eram passíveis de anistia.'

'Amnésia coletiva'
Na avaliação dos especialistas ouvidos pela 'Economist', essa demora no Brasil se deve ao fato de a transição para a democracia ter sido mais lenta e controlada no país.

'O regime não entrou em colapso após uma guerra desastrosa como aconteceu na Argentina ou enfrenta ameaça de protestos, como Augusto Pinochet no Chile.'

Outra razão citada é uma tendência dos brasileiros em sofrer de uma espécie de 'amnésia coletiva'. Segundo Maurício Santoro, da Fundação Getúlio Vargas, aponta na revista para o contraste entre o Brasil, 'o país do futuro', e a Argentina, que 'têm uma obsessão pela era de ouro em que viveram no passado'.

Segundo a 'Economist', uma das consequências desse atraso 'é que a repressão continua, só que agora a violência se concentra mais na polícia, e não no Exército'.

A revista destaca que a truculência da polícia é raramente punida e frequentemente aplaudida, como acontece nos filmes 'Tropa de Elite', e que ativistas esperam que a Comissão da Verdade altere essas opiniões.

'Algumas coisas só acontecem quando e se a sociedade está pronta', diz um dos entrevistados da matéria, Atila Roque, diretor da ONG Anistia Internacional no Brasil. 'Acho que estamos prontos'.